quinta-feira, 26 de junho de 2008

Fragmentos de textos de Clarisse Lispector

"Estou sendo alegre neste instante, por isso me recuso a ser vencida. Então amo como resposta."

"Não se preocupe em entender a vida, viver ultrapassa qualquer entendimento."

''É que sou um pouco antes. E só isso. Juro por Deus. E sou um pouco depois também."


"Liberdade é pouco... O que eu desejo ainda não tem nome!"

Pegue para você o que lhe pertence, e o que lhe pertence é tudo o que sua vida exige. Parece uma vida amoral. Mas o que é verdadeiramente imoral é ter desistido de si mesma."

"Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro".


"Ela acreditava em anjo e, porque acreditava, eles existiam."


"Sou como você me vê... Posso ser leve como uma brisa, ou forte como uma ventania, depende de quando, e como você me vê passar!"

"Dá-me a tua mão. Porque não sei mais do estou falando. Acho que inventei tudo, nada disso existiu! Mas se inventei o que ontem me aconteceu - quem me garante que também não inventei toda minha vida anterior a ontem?"

"Não é à toa que entendo os que buscam caminho. Como busquei arduamente o meu! E como hoje busco com sofreguidão e aspereza o meu melhor modo de ser, o meu atalho, já que não ouso mais falar em caminho. Eu que tinha querido. O Caminho, com letra maiúscula, hoje me agarro ferozmente à procura de um modo de andar, de um passo certo. Mas o atalho com sombras refrescantes e reflexo de luz entre as árvores, o atalho onde eu seja finalmente eu, isso não encontrei. Mas sei de uma coisa: meu caminho não sou eu, é outro, é os outros. Quando eu puder sentir plenamente o outro estarei salva e pensarei: eis o meu porto de chegada".

"Um domingo de tarde sozinha em casa dobrei-me em dois para a frente - como em dores de parto - e vi que a menina em mim estava morrendo. Nunca esquecerei esse domingo. Para cicatrizar levou dias. E eis-me aqui. Dura, silenciosa e heróica. Sem menina dentro de mim."

"...Saudade é um pouco como fome. Só passa quando secome a presença. Mas às vezes a saudade é tão profundaque a presença é pouco: quer-se absorver a outrapessoa toda. Essa vontade de um ser o outro para umaunificação inteira é um dos sentimentos mais urgentesque se tem na vida..."

"Você pode até me empurrar de um penhasco, mas eu voudizer: E daí? Eu adoro voar!"

"Só porque viver não é relatável. Viver não é vivível.Terei que criar a vida. E sem mentir. Criar sim,mentir não. Criar não é imaginação, é correr o granderisco de se ter a realidade."

"É que sinto falta de um silêncio. Eu era silenciosa.E agora me comunico, mesmo sem falar. Mas falta umacoisa. E vou tê-la. É uma espécie de liberdade, sempedir licença a ninguém."

"...eu, obra anônima de uma realidade anônima, só justificável enquanto dura a minha vida".


"Não é que vivo em eterna mutação, com novas adaptações a meu renovado viver e nunca chego ao fim de cada um dos modos de existir. Vivo de esboços não acabados e vacilantes. Mas equilibro-me como posso, entre mim e eu, entre mim e os homens, entre mim e o Deus."

"Ouve-me, ouve o meu silêncio. O que falo nunca é o que falo e sim outra coisa. Capta essa outra coisa de que na verdade falo porque eu mesma não posso."

"Eu escrevo sem esperança de que o que eu escrevo altere qualquer coisa. Não altera em nada... Porque no fundo a gente não está querendo alterar as coisas. A gente está querendo desabrochar de um modo ou de outro..."

"Antes do aparecimento do espelho a pessoa não conhecia o próprio rosto senão refletido nas águas de um lago depois de certo tempo cada um é responsável pela cara que tem..."


"Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento"

"Não pense que a pessoa tem tanta força assim a ponto de levar qualquer espécie de vida e continuar a mesma. Até cortar os defeitos pode ser perigoso - nunca se sabe qual o defeito que sustenta nosso edifício inteiro...há certos momentos em que o primeiro dever a realizar é em relação a si mesmo. Quase quatro anos me transformaram muito. Do momento em que me resignei, perdi toda a vivacidade e todo interesse pelas coisas. Você já viu como um touro castrado se transforma em boi. Assim fiquei eu... para me adaptar ao que era inadaptável, para vencer minhas repulsas e meus sonhos, tive que cortar meus grilhões - cortei em mim a forma que poderia fazer mal aos outros e a mim. E com isso cortei também a minha força. Ouça: respeite mesmo o que é ruim em você - respeite sobretudo o que imagina que é ruim em você - não copie uma pessoa ideal, copie você mesma - é esse seu único meio de viver. Juro por Deus que, se houvesse um céu, uma pessoa que se sacrificou por covardia ia ser punida e iria para um inferno qualquer. Se é que uma vida morna não é ser punida por essa mesma mornidão. Pegue para você o que lhe pertence, e o que lhe pertence é tudo o que sua vida exige. Parece uma vida amoral. Mas o que é verdadeiramente imoral é ter desistido de si mesma. Gostaria mesmo que você me visse e assistisse minha vida sem eu saber. Ver o que pode suceder quando se pactua com a comodidade da alma".

"Sei o que é primavera porque sinto um perfume de pólen no ar, que talvez seja o meu próprio pólen, sinto estremecimentos à toa quando um passarinho canta, e sinto que sem saber eu estou reformulando a vida. Porque estou viva. A primavera torturante, límpida e mortal que o diga, ela que me encontra cada ano tão pronta para recebê-la. Bem sei que é uma perturbação de sentidos. Mas, por que não ficar tonta? Aceito esta minha cabeça à chuva tremeluzente da primavera, aceito que eu existo, aceito que os outros existam porque é direito deles e porque sem eles eu morreria. Sinto que viver é inevitável. Posso na primavera ficar horas sentada fumando, apenas sendo. A primavera me dá coisas. Dá do que viver."

" Porque eu me imaginava mais forte. Porque eu fazia do amor um cálculo matemático errado: pensava que, somando as compreensões, eu amava. Não sabia que, somando as incompreensões, é que se ama verdadeiramente. Porque eu, só por ter tido carinho, pensei que amar é fácil. É porque eu não quis o amor solene, sem compreender que a solenidade ritualiza a incompreensão e a transforma em oferenda. E é também porque sempre fui de brigar muito, meu modo é brigando. É porque sempre tento chegar pelo meu modo. É porque ainda não sei ceder. É porque no fundo eu queria amar o que eu amaria - e não o que é. É também porque eu me ofendo a toa. É porque talvez eu precise que me digam com brutalidade, pois sou muito teimosa. É porque sou muito possessiva e então me foi perguntado com alguma ironia se eu também queria o rato para mim.Talvez eu me ache delicada demais apenas porque não cometi os meus crimes. Só porque contive os meus crimes, eu me acho de amor inocente.Talvez eu tenha que chamar de "mundo"esse meu modo de ser um pouco de tudo. Eu, que sem nem ao menos ter me percorrido toda, já escolhi amar o meu contrário(...). Eu que jamais me habituarei a mim, estava querendo que o mundo não me escandalizasse. Porque eu, que de mim só consegui foi me submeter a mim mesma, pois sou tão mais inexorável do que eu, eu estava querendo me compensar de mim mesma com uma terra menos violenta que eu."

“Sobretudo um dia virá em que todo meu movimento será criação, nascimento, eu romperei todos os nãos que existem dentro de mim, provarei a mim mesma que nada há a temer, que tudo o que eu for será sempre onde haja uma mulher com meu princípio, erguerei dentro de mim o que sou um dia, a um gesto meu minhas vagas se levantarão poderosas, água pura submergindo a dúvida, a consciência, eu serei forte como a alma de um animal e quando eu falar serão palavras não pensadas e lentas, não levemente sentidas, não cheias de vontade de humanidade, não o passado corroendo o futuro! O que eu disser soará fatal e inteiro!”

"Estou procurando, estou procurando. Estou tentando entender. Tentando dar a alguém o que vivi e não sei a quem, mas não quero ficar com o que vivi. Não sei o que fazer do que vivi, tenho medo dessa desorganização profunda. Não confio no que me aconteceu. Aconteceu-me alguma coisa que eu, pelo fato de não saber como viver, vivi uma outra? A isso quereria chamar desorganização, e teria a segurança de me aventurar, porque saberia depois para onde voltar: para a organização anterior. A isso prefiro chamar desorganização pois não quero me confirmar no que vivi - na confirmação de mim eu perderia o mundo como eu o tinha, e sei que não tenho capacidade para outro".


O tempo corre, o tempo é curto: preciso me apressar,mas ao mesmo tempo viver como se esta minha vida fosse eterna...

engulo a loucura porque ela me alucina calmamente

"Oh, não se assuste, as vezes, a gente mata por amor, mas eu juro que um dia a gente esquece, juro"

"Era cedo demais para eu ver tanto. Era cedo demais para eu ver como nasce a vida. Vida nascendo era tão mais sangrento do que morrer. Morrer é ininterrupto. Mas ver matéria inerte lentamente tentar se erguer como um grande morto-vivo... Ver a esperança me aterrorizava, ver a vida me embrulhava o estômago. Estavam pedindo demais de minha coragem só porque eu era corajosa, pediam minha força só porque eu era forte."

uma esperança posou em meu braço, não senti nada de tão leve que era...

"... já que sou, o jeito é ser..."

''Sou uma louca, mas guiada dentro de mim por uma espécie de sábio!''


Eu sou uma pergunta.


"O que eu disser soará fatal e inteiro!"

"...Cuide-se como se você fosse de ouro,ponha você mesmo de vez em quando numa redoma e poupe-se"

"E nem entendo aquilo que entendo: pois estou infinitamente maior que eu mesma, e não me alcanço."

"Onde aprender a odiar para não morrer de amor?"

Depois que descobri por mim mesma como éque se pensa, nunca mais acreditei nos pensamentos dos outros.......

"PRECISA-SE"Sendo este um jornal por excelência, e por excelência dos precisa-se e oferece-se, vou pôr um anúncio em negrito: precisa-se de alguém homem ou mulher que ajude uma pessoa a ficar contente porque esta está tão contente que não pode ficar sozinha com a alegria, e precisa reparti-la. Paga-se extraordinariamente bem: minuto por minuto paga-se com a própria alegria. É urgente pois a alegria dessa pessoa é fugaz como estrelas cadentes, que até parece que só se as viu depois que tombaram; precisa-se urgente antes da noite cair porque a noite é muito perigosa e nenhuma ajuda é possível e fica tarde demais. Essa pessoa que atenda ao anúncio só tem folga depois que passa o horror do domingo que fere. Não faz mal que venha uma pessoa triste porque a alegria que se dá é tão grande que se tem que a repartir antes que se transforme em drama. Implora-se também que venha, implora-se com a humildade da alegria-sem-motivo. Em troca oferece-se também uma casa com todas as luzes acesas como numa festa de bailarinos. Dá-se o direito de dispor da copa e da cozinha, e da sala de estar. P.S. Não se precisa de prática. E se pede desculpa por estar num anúncio a dilarecerar os outros. Mas juro que há em meu rosto sério uma alegria até mesmo divina para dar.

Sou o que se chama de pessoa impulsiva. Como descrever? Acho que assim: vem-me uma idéia ou um sentimento e eu, em vez de refletir sobre o que me veio, ajo quase queimediatamente. O resultado tem sido meio a meio: às vezesacontece que agi sob uma intuição dessas que não falham, às vezes erro completamente, o que prova que não se tratava de intuição, mas de simples infantilidade.Trata-se de saber se devo prosseguir nos meus impulsos. E até que ponto posso controlá-los. [...] Deverei continuar a acertar e a errar, aceitando os resultados resignadamente? Ou devo lutar e tornar-me uma pessoa mais adulta? E também tenho medo de tornar-me adulta demais: eu perderia um dos prazeres do que é um jogo infantil, do que tantas vezes é uma alegria pura. Vou pensar no assunto. E certamente o resultado ainda virá sob a forma de um impulso. Não sou madura bastante ainda. Ou nunca serei.”

" Sou um coração batendo forte no mundo...".

"Não pense que escrevo aqui o meu mais íntimo segredo pois há segredos que eu não conto nem a mim mesma."


E o que há de se fazer com a verdade que todo mundo é um pouco triste e um pouco só?

"...há impossibilidade de ser além do que se é - no entanto eu me ultrapasso mesmo sem o delírio, sou mais do que eu, quase normalmente - tenho um corpo e tudo que eu fizer é continuação de meu começo......a única verdade é que vivo. Sinceramente, eu vivo. Quem sou? Bem, isso já é demais...."

Porque há o direito ao grito.então eu grito.

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